Atualização Monetária e Inflação no Brasil


O conceito de atualização monetária está intrinsecamente relacionado ao fenômeno econômico da inflação, que é a perda do poder aquisitivo da moeda. A inflação é caracterizada pelo aumento contínuo e generalizado dos preços dos bens e serviços.

Autor: Edmilson Galvão      Publicação: 02/07/2024      Atualização: 02/07/2024

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Atualização Monetária e Inflação no Brasil

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O conceito de atualização monetária está intrinsecamente relacionado ao fenômeno econômico da inflação, que é a perda do poder aquisitivo da moeda. A inflação é caracterizada pelo aumento contínuo e generalizado dos preços dos bens e serviços.

Para compreender melhor, considere um cenário do passado em que lojas de "1,99" eram comuns nas principais cidades do Brasil. Nessas lojas, era possível adquirir diversos itens com apenas R$ 30 ou R$ 40.

Atualmente, com o mesmo valor, mal se consegue comprar um único presente. Este exemplo ilustra a desvalorização da moeda ao longo do tempo.

A correção monetária foi introduzida como uma técnica de indexação, onde são aplicados índices que refletem a variação do poder de compra ao longo do tempo. Isso é fundamental em contratos e dívidas, onde a correção monetária ajusta o valor nominal de uma obrigação para manter seu valor real constante.

Exemplo Numérico

Considere um contrato de compra de mercadorias no valor de R$ 100,00 com prazo de pagamento de 30 dias, em um cenário com uma taxa de inflação mensal de 50%. Após 30 dias, devido à inflação, o valor necessário para quitar o contrato seria de R$ 150,00. Isso significa que o valor inicial de R$ 100,00 agora só pode comprar dois terços das mercadorias originalmente previstas:

R$100 / R$150 = 0,6667

Aqui, uma inflação de 50% ao mês resulta em uma perda do poder aquisitivo de 33,33%, pois o valor de R$ 100,00 é reduzido para R$ 66,67 em termos de poder de compra.


1. Indexadores de Correção Monetária no Brasil


No Brasil, existem diversos indexadores de correção monetária utilizados para atualização de débitos judiciais, cada um com suas características específicas. Abaixo, apresentarei alguns dos principais indexadores, seu conceito, data de criação e objetivo:

INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor): Foi criado no ano de 1979 e é apurado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) tendo como objetivo medir a variação dos preços dos produtos e serviços consumidos pelas famílias com renda de 1 a 5 salários mínimos

IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo): Foi criado no ano de 1980 e também é calculado pelo IBGE e tem como objetivo medir a variação média dos preços de bens e serviços consumidos pelas famílias brasileiras com renda de 1 a 40 salários mínimos.

O IPCA é adotado como indexador para correção monetária de diversos tipos de dívidas, contratos e investimentos.

IPCA-E (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial): Criado no ano de 2021 e corresponde a uma variação do IPCA e também é calculado pelo IBGE. Ele considera a inflação em um período mais alongado, levando em conta a variação de preços ao longo de 12 meses.

TR (Taxa Referencial): A TR é calculada pelo Banco Central do Brasil e serve como um indexador para diversos contratos e obrigações financeiras. No entanto, a TR não reflete diretamente a variação da inflação, pois é baseada em médias ponderadas das taxas de juros dos CDBs (Certificados de Depósito Bancário) e RDBs (Recibos de Depósito Bancário).

A TR é foi bastante utilizada como indexador para a correção monetária, mas sua aplicação tem sido objeto de discussões quanto à sua efetividade em preservar o valor real dos valores corrigidos

SELIC (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia): A SELIC foi criada em 1979 e é a taxa básica de juros do Brasil, estabelecida pelo Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central. Ela é utilizada para operações de empréstimos entre bancos e tem influência direta na economia e nas taxas de juros praticadas no país.

Embora a SELIC não seja um indexador de correção monetária, ela pode ser utilizada para atualização de valores, especialmente em casos de juros moratórios ou remuneratórios, além de ser um parâmetro relevante para cálculos financeiros.

INCC (Índice Nacional de Custo da Construção): Calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e tem como objetivo medir a variação dos custos da construção civil, considerando insumos, mão de obra e outros fatores relevantes.

O INCC é utilizado para correção monetária de contratos e obrigações relacionadas ao setor da construção civil, como contratos de financiamento imobiliário e cálculo de indenizações.


2. Evolução Histórica e Legal da Correção Monetária no Brasil


Entre as décadas de 1960 e 1980, o Brasil enfrentou um período de inflação constante e elevada. Este cenário econômico gerou grande insegurança, especialmente em contratos de longo prazo, pois o valor real dos pagamentos futuros tornava-se incerto. A fim de mitigar os efeitos corrosivos da inflação, foram desenvolvidos mecanismos de correção monetária.

O marco inicial da instituição da correção monetária no Brasil é a Lei nº 4.357 de 1964. Esta lei estabeleceu os primeiros mecanismos formais para corrigir monetariamente valores devidos, especialmente em contextos contratuais. Em 1981, a Lei nº 6.899 reforçou e expandiu esses mecanismos, adaptando-os às novas realidades econômicas.

Durante os anos 1980, a hiperinflação brasileira alcançou taxas anuais superiores a 1000%. Para lidar com essa situação, foram implementados diversos planos econômicos, como o Plano Cruzado (1986), Plano Bresser (1987), Plano Verão (1989) e Plano Collor (1990).

Cada um destes planos tentou, de formas diferentes, controlar a inflação e estabilizar a economia, utilizando medidas de congelamento de preços e salários, criação de novas moedas e ajustes nos índices de correção monetária.


3. Aplicação da Correção Monetária em Processos Judiciais


Os temas que envolvem a aplicação da correção monetária têm sido fontes de calorosas discussões na justiça.

Basta trazer a memória, como exemplo, as inúmeras ações judiciais que tratam dos expurgos inflacionários em razão dos sucessivos planos econômicos implantados no país, as ações que questionam a aplicação da TR como índice de atualização das Contas Vinculadas ao FGTS e também a aplicação da TR para a atualização de débitos trabalhistas entre diversos outras.


4. Comparação entre a TR, IPCA-E e SELIC


Para entender melhor as implicações dessa mudança, vamos comparar a TR, IPCA-E e a SELIC acumulados entre janeiro de 2015 e dezembro de 2023.


4.1. Atualização pela TR entre 2015 até 2023


Vamos considerar um valor de R$ 10.000,00 devido em janeiro de 2015 e pago em dezembro de 2023. Utilizaremos a TR acumulada durante este período para calcular o valor atualizado.

A TR acumulada entre 2015 e 2023 pode ser obtida a partir dos valores mensais divulgados pelo Banco Central do Brasil

TR

Com base nos percentuais da TR acumulada anualmente entre o ano de 2015 até 2023 é necessário transformar esses valores em índices conforme demonstrado a seguir:

2015: 1 + 1,80% = 1,0180

2016: 1 + 2,01% = 1,0201

2017: 1 + 0,60% = 1,0060

2018: 1 + 0,00% = 1,000

2019: 1 + 0,00% = 1,0000

2020: 1 + 0,00% = 1,000

2021: 1 + 0,00% = 1,000

2022: 1 + 1,63% = 1,0163

2023: 1 + 1,76% = 1,00176


O cálculo acima também pode ser realizado com um auxílio de uma planilha eletrônica os dados acima ficam da seguinte forma:



Agora, com base nos dados acima, para obter o fator acumulado da TR entre o ano de 2015 até 2023 basta multiplicar os índices da seguinte forma:

TR ACUMULADA ENTRE 2015 ATÉ 2023 =

1,0180 X 1,0201 X 1,0060 X 1,0000 X 1,0000 X 1,0000 X 1,0000 X 1,0163 X 1,0176= 1,0803675

Com um auxílio de uma planilha eltrônica ficando da seguinte forma:


Assim, considerando um débito de R$ 10.000,00 ( dez mil reais) atualizado nesse mesmo período pela TR, temos:


VALOR DEVIDO EM 2023 = R$ 10.000,00 X 1,0803675 = R$ 10.803,67


Portanto, o valor de um débito tributário de R$ 10.000,00 devido em janeiro de 2019, corrigido pela TR acumulada até dezembro de 2023, seria aproximadamente R$ 10.803,67.

A TR é calculada pelo Banco Central do Brasil com base na média ponderada das taxas de juros praticadas pelos principais bancos do país e como visto acima a constitucionalidade da TR sempre foi questionada tendo em vista que não reflete corretamente a inflação do período

Tal fato é claramente verificado no exemplo acima uma vez que acrescentou um valor de R$ 803,67 entre os anos de 2015 até 2023 estando muito abaixo da inflação real nesse mesmo período quando comparado com outros índices de correção monetária.


4.2. Atualização pelo IPCA-E Acumulado entre 2015 até 2023


Considerando ainda um valor de R$ 10.000,00 devido em janeiro de 2015 e pago em dezembro de 2023 utilizaremos agora o IPCA-E acumulado durante este período para calcular o valor atualizado.


Com base nos percentuais do IPCA-E acumulado entre o ano de 2015 até 2023 é necessário transformar esses valores em índices conforme demonstrado a seguir:

2015: 1 + 10,71% = 1,1071

2016: 1 + 6,58% = 1,0658

2017: 1 + 2,94% = 1,0294

2018: 1 + 3,86% = 1,0386

2019: 1 + 3,91% = 1,0391

2020: 1 + 4,22% = 1,0422

2021: 1 + 10,42% = 1,1042

2022: 1 + 5,90% = 1,0590

2023: 1 + 4,72% = 1,0472


O cálculo acima também pode ser realizado com um auxílio de uma planilha eltrônica ficando da seguinte forma:


O índice acumulado do IPCA-E entre 2015 até 2023 representa o fator a ser aplicado para realizar a correção monetária do valor nesse mesmo período.


IPCA-E ACUMULADO ENTRE 2015 ATÉ 2023


1,1071 X 1,0658 X 1,0294 X 1,0386 X 1,0391 X 1,0422 X 1,1042 X 1,0590 X 1,0472 = 1,6729


Com um auxílio de uma planilha eltrônica ficando da seguinte forma:

Assim, considerando um débito de R$ 10.000,00 ( dez mil reais) atualizado nesse mesmo período pela o IPCA-E, temos:


VALOR DATUALIZADO EM 2023 = R$ 10.000,00 X 1,6729 = R$ 16.729,00


4.3. Atualização pela SELIC Acumulada entre 2015 até 2023


Para calcular o valor atualizado, multiplicamos o valor original pelo fator de correção correspondente à taxa SELIC acumulada. Vamos calcular o fator de correção:

2015: 1 + 11,60% = 1,1160

2016: 1 + 12,14% = 1,1214

2017: 1 + 8,44% = 1,0844

2018: 1 + 5,66% = 1,0566

2019: 1 + 5,25% = 1,0525

2020: 1 + 2,34% = 1,0234

2021: 1 + 4,20% = 1,0420

2022: 1 + 11,00% = 1,11

2023: 1 + 11,19% = 1,1119

Com um auxílio de uma planilha eltrônica obtemos o seguinte resultado:


O índice acumulado da taxa SELIC entre 2015 até 2023 representa o fator a ser aplicado para realizar a correção monetária dos débitos em favor da fazenda pública nesse mesmo período.

SELIC ACUMULADA ENTRE 2015 ATÉ 2023 =

1,1160 X 1,1214 X 1,0844 X 1,0566 X 1,0525 X 1,0234 X 1,0420 X 1,1100 X 1,1119 = 1,9863

Com um auxílio de uma planilha eltrônica ficando da seguinte forma:


Assim, considerando um débito de R$ 10.000,00 ( dez mil reais) atualizado nesse mesmo período pela SELIC, temos:

VALOR DEVIDO EM 2023 = R$ 10.000,00 X 1,9863 = R$ 19.863,00


Em resumo, considerando o valor de R$ 10.000,00 atualizado por diferentes índices (TR, IPCA-E e SELIC) acumulado entre os anos de 2015 até 2023 temos os seguintes resultados:

TR:R$ 10.803,67

IPCA-E:R$ 16.729,00

SELIC:R$ 19.863,00

A TR é o índice que apresenta o menor valor no período enquanto que a SELIC apresentou o maior valor.


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Edmilson Galvão

Autor:

Edmilson Galvão - Advogado | Contador

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